quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Amour



E foi por algum sentido (ou nenhum) que Amour me fez voltar a escrever quase dois anos após o último post no blog. Isso porque após ver o filme fiquei transbordando de sensações, minha cabeça ferventando de ideias e meus dedos ansiosos por transformá-las em palavras, ao ponto que não pude me conter. Por isto, como um ato de amor,  me entrego novamente às palavras para tornar visível e público o que pra mim é intimo e particular. Sem pretensões, sem quereres, apenas sensações, palavras e impressões... 

Considerando que quem vai ler já viu o filme, pulo a etapa da sinopse (ainda assim, caso não tenha visto, acesse aqui) e me permito começar a falar do que interessa:

Em Amour, o grande trunfo de Haneke foi, como em outros filmes de sua filmografia, tratar de um tema real e possível, porém elevando-o a um patamar de proximidade assustador. É uma história simples, honesta e transparente que poderia acontecer com alguém da família, com um vizinho ou com nós mesmos, sem sobrecargas, arroubos ou excessos de roteiro ou ainda afetações de direção. De forma quase minimalista, com diálogos precisos, suaves e coerentes, conta a história de como um ser humano reagiu a degradação mental, física e emotiva do ser amado e de que maneira isso pôde manter-se coeso fundado na certeza irrevogável ao tempo que involuntária e já dilacerante de amar. 

Como se já não fosse o bastante a temática, houve ainda a possibilidade de realizar um filme calmo, respeitando o tempo que caberia numa vida possível; um recorte exato de uma história real semelhante. Isto pode ser ilustrado por cenas únicas, como a do close em Anne já em processo de degradação, deitada na cama com um olhar aprisionado, mirando um nada perturbador ou um George automatizado pela ausência do ser amado, agindo sem pressa ao cortar o ramo que trouxe do mercado flor a flor, ou ainda pelo belo silêncio confortante que nasce quando se está ao  lado de quem se ama sem necessariamente estar interagindo com ele, abastecendo-se apenas pela presença respeitosa; ambos imersos no exercício natural e intransferível da individualidade, representado naquele instante pela leitura de um jornal ou revista, ainda assim sem estar sozinho. Cenas que cuidadosamente absorvem o tempo da forma como o vivenciamos, reforçando a nossa aproximação com a história.


O que mais me tocou no filme é que em nenhum momento a expressão “eu te amo” é dita pelos protagonistas. Isso evoca que a razão do amor (se é que há) está em amar e não em verbalizar sua forma ou sentido. É um sentimento, e por sê-lo, cabe vivencia-lo e assisti-lo a partir das ações e posturas do ser amado. Muito além de palavras, são atos construídos com a simples e forte finalidade de cuidar e tornar feliz a quem se ama e desta forma se alimentar desta felicidade, elevando-se em plenitude.

Outro aspecto interessante é imaginar que não atrai Haneke esclarecer o que aconteceu com George. Isto porque o que importa é que Anne não está mais lá, e sem ela já não há vida. Sua vida se foi com ela. Os dias são contar de horas e eventos marcados pela rotina já pesada da ausência. Esta sensação é apresentada metaforicamente na cena em que George delira com a presença de Anne e eles juntos saem para passear. 

Quanto ao pombo, enquanto eu assistia não conseguia entender claramente o que estava tentando ser dito (mania de achar que nada é gratuito). No entanto, só quando já subiam os créditos que percebi que é uma obvia metáfora para a tentativa frustrante de George em manter Anne, que a mercê do tempo, escorria de suas mãos, fruto de um processo natural da vida. Por mais que buscasse, por mais que se empenhasse, por mais que não desistisse, não haveria meio de mantê-la da forma como era. Assim como o pombo, com sua trajetória imprevisível, que teimava em fugir-lhe entre os dedos.  Cabendo apenas, mesmo que figurando como um opressor libertá-la daquela condição triste e vazia de esperança que refletia seu estado que nada lembrava o vigor, alegria e determinação anterior.


A beleza de Amour está em perceber que não importa quanto tempo se viva com uma pessoa, sempre haverá uma nova situação e resposta inédita. Como o instante que George diz a Anne sentado à mesa que “existem muitas histórias sobre mim que você ainda não ouviu”. A maravilhosa extensão que o Amor tem de caber em sua reinvenção, ao tempo que excede em sua medida. Avesso ao sentimento de melancolia e tristeza que nos envolve imediatamente após ao corte seco da cena final, um amargor que não se altera por horas já distanciado do filme, é  justamente imaginar que é um filme belíssimo não exclusivamente por tratar de um sentimento de forma romantizada, mas sim em sua essência de sobreviver as adversidades e ao tempo. Afinal, o filme, como definiu um amigo meu “não é facil”. Verdade, não é. No entanto, daqui do meu cantinho, remexendo ideias e ressuscitando lembranças, na medida em que vou saboreando neste exato momento este mesmo sentimento do qual discorro, respondo dizendo “E o Amor, é?”.

Trailer:

Um comentário:

  1. acabei de assistir, mas confesso que não me senti tão tocada. Talvez a atenção dispersa de assistir em casa e não no cinema, com mil outras coisas chamando minha atenção tenham contribuído; talvez porque aquele cotidiano não seja tão incomum a mim, principalmente na postura da filha, personagem com a qual mais me identifiquei. O filme é cruel e seco, mas bastante real. E talvez ver o real seja tão desconfortável quanto vivê-lo.

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