E foi por algum sentido (ou
nenhum) que Amour me fez voltar a escrever quase dois anos após o último post
no blog. Isso porque após ver o filme fiquei transbordando de sensações, minha
cabeça ferventando de ideias e meus dedos ansiosos por transformá-las em
palavras, ao ponto que não pude me conter. Por isto, como um ato de amor, me entrego novamente às palavras para tornar visível e público o que pra mim é intimo
e particular. Sem pretensões, sem quereres, apenas sensações, palavras e
impressões...
Considerando que quem vai ler já
viu o filme, pulo a etapa da sinopse (ainda assim, caso não tenha visto, acesse aqui) e me permito começar a falar do que interessa:
Em Amour, o grande trunfo de Haneke
foi, como em outros filmes de sua filmografia, tratar de um tema real e
possível, porém elevando-o a um patamar de proximidade assustador. É uma
história simples, honesta e transparente que poderia acontecer com alguém da
família, com um vizinho ou com nós mesmos, sem sobrecargas, arroubos ou
excessos de roteiro ou ainda afetações de direção. De forma quase minimalista,
com diálogos precisos, suaves e coerentes, conta a história de como um ser
humano reagiu a degradação mental, física e emotiva do ser amado e de que
maneira isso pôde manter-se coeso fundado na certeza irrevogável ao tempo que
involuntária e já dilacerante de amar.
Como se já não fosse o bastante a
temática, houve ainda a possibilidade de realizar um filme calmo, respeitando o
tempo que caberia numa vida possível; um recorte exato de uma história real
semelhante. Isto pode ser ilustrado por cenas únicas, como a do close em Anne
já em processo de degradação, deitada na cama com um olhar aprisionado, mirando
um nada perturbador ou um George automatizado pela ausência do ser amado,
agindo sem pressa ao cortar o ramo que trouxe do mercado flor a flor, ou ainda
pelo belo silêncio confortante que nasce quando se está ao lado de quem se ama sem necessariamente estar
interagindo com ele, abastecendo-se apenas pela presença respeitosa; ambos
imersos no exercício natural e intransferível da individualidade, representado
naquele instante pela leitura de um jornal ou revista, ainda assim sem estar
sozinho. Cenas que cuidadosamente absorvem o tempo da forma como o vivenciamos,
reforçando a nossa aproximação com a história.
O que mais me tocou no filme é
que em nenhum momento a expressão “eu te amo” é dita pelos protagonistas. Isso
evoca que a razão do amor (se é que há) está em amar e não em verbalizar sua
forma ou sentido. É um sentimento, e por sê-lo, cabe vivencia-lo e assisti-lo a
partir das ações e posturas do ser amado. Muito além de palavras, são atos
construídos com a simples e forte finalidade de cuidar e tornar feliz a quem se
ama e desta forma se alimentar desta felicidade, elevando-se em plenitude.
Outro aspecto interessante é
imaginar que não atrai Haneke esclarecer o que aconteceu com George. Isto
porque o que importa é que Anne não está mais lá, e sem ela já não há vida. Sua
vida se foi com ela. Os dias são contar de horas e eventos marcados pela rotina
já pesada da ausência. Esta sensação é apresentada metaforicamente na cena em
que George delira com a presença de Anne e eles juntos saem para passear.
Quanto ao pombo, enquanto eu assistia
não conseguia entender claramente o que estava tentando ser dito (mania de
achar que nada é gratuito). No entanto, só quando já subiam os créditos que
percebi que é uma obvia metáfora para a tentativa frustrante de George em
manter Anne, que a mercê do tempo, escorria de suas mãos, fruto de um processo
natural da vida. Por mais que buscasse, por mais que se empenhasse, por mais
que não desistisse, não haveria meio de mantê-la da forma como era. Assim como
o pombo, com sua trajetória imprevisível, que teimava em fugir-lhe entre os
dedos. Cabendo apenas, mesmo que
figurando como um opressor libertá-la daquela condição triste e vazia de
esperança que refletia seu estado que nada lembrava o vigor, alegria e
determinação anterior.
A beleza de Amour está em
perceber que não importa quanto tempo se viva com uma pessoa, sempre haverá uma
nova situação e resposta inédita. Como o instante que George diz a Anne sentado
à mesa que “existem muitas histórias sobre mim que você ainda não ouviu”. A
maravilhosa extensão que o Amor tem de caber em sua reinvenção, ao tempo que
excede em sua medida. Avesso ao sentimento de melancolia e tristeza que nos
envolve imediatamente após ao corte seco da cena final, um amargor que não se
altera por horas já distanciado do filme, é justamente imaginar que é um filme belíssimo
não exclusivamente por tratar de um sentimento de forma romantizada, mas sim em
sua essência de sobreviver as adversidades e ao tempo. Afinal, o filme, como
definiu um amigo meu “não é facil”. Verdade, não é. No entanto, daqui do meu
cantinho, remexendo ideias e ressuscitando lembranças, na medida em que vou
saboreando neste exato momento este mesmo sentimento do qual discorro, respondo
dizendo “E o Amor, é?”.
Trailer:
acabei de assistir, mas confesso que não me senti tão tocada. Talvez a atenção dispersa de assistir em casa e não no cinema, com mil outras coisas chamando minha atenção tenham contribuído; talvez porque aquele cotidiano não seja tão incomum a mim, principalmente na postura da filha, personagem com a qual mais me identifiquei. O filme é cruel e seco, mas bastante real. E talvez ver o real seja tão desconfortável quanto vivê-lo.
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