Agora o bicho já pegou! |
Sabe aquelas conversas que a gente tem quando menos espera numa quinta-feira a noite qualquer, num bar qualquer, de um bairro qualquer, mas que nos levam para outro lugar? Aquele amigo seu que tem um jeito único e invejavelmente eficaz de contar uma historia própria, que senta e fica horas falando enquanto você atentamente procura não deixar cair nenhum detalhe da história hipnotizante que ele cuidadosamente revela à você...sabe? Então, meu camarada, é isso que você vai presenciar ao entrar numa sessão de Tropa de Elite 2.
Se você me conhece ou já leu algum texto meu sabe que tenho uma dificuldade imensa em assistir filmes que utilizam o recurso voice over ou narrativa em off, como queira. No entanto, nos dois filmes, esse recurso trouxe uma aproximação necessária ao espectador, o que foi elevado neste segundo filme. Durante toda projeção somos abraçados pela voz de Roberto Nascimento que narra pontualmente os fatos da trama. Sua linguagem popular e um tanto burlesca, seus vocativos que nos tornam “parceiros”, aproximam e nos fazem sentir intencionalmente personagens desta história.
Nos instantes iniciais do longa, passados dez anos, acompanhamos a operação conduzida por Nascimento, agora Comandante Geral do BOPE, frente a uma rebelião em Bangu 1 e simultaneamente a uma palestra em defesa dos Diretos Humanos, ministrada fervorosamente pelo professor de História Diego Fraga. Uma ação deliberada do batalhão comandada em campo pelo Capitão André Mathias resulta num desfecho não programado que trará conseqüências diferenciadas, a princípio, para cada um dos três envolvidos nessa situação, e que se cruzarão brevemente tentando desfazer o movimento de uma engrenagem que se revelará, ao tempo, muito maior e mais firme do que se espera.
O resultado da sanguinária atuação do BOPE em Bangu 1 faz com que Nascimento “caia para cima”, como ele mesmo define, sendo elevado a Sub-Secretario de Segurança Pública do Rio de Janeiro, o que representa, confessado a nós pelo mesmo, uma oportunidade ímpar (já que chegou onde nenhum outro do bope foi) de desconstruir as redes de trafico dos morros cariocas, empregando recursos pesados (olha o caveirão aê) para que o objetivo seja alcançado. O problema é que, ao fazer isso, inconscientemente, Nascimento e sua nova estratégia, criam oportunidade para um dos maiores problemas sociais se instalarem nestes espaços: As milícias, apresentadas de forma genial por Padilha são apenas a ponta do iceberg gigantesco que sustenta a rede de corrupção no País.
Preciso, eficaz, inteligente e coeso. Não seria exagero algum dizer que Tropa de Elite 2, pelas mãos, olhos e alma de José Padilha, alcança brilhantemente a essência de cada uma dessas palavras de maneira a deixar o espectador entorpecido com o primor e qualidade técnica da película. O filme é mais maduro, profundo e abrangente porque todos os envolvidos no processo evoluíram também. O roteiro, feito a quatro mãos, casadinha entre José Padilha e Bráulio Mantovani, abre caminho para a saída do microambiente do tráfico nos morros, amplitude da primeira leitura, e apresenta o macro, forma como tudo esta interligado na teia firme da corrupção que vai de políticos do alto escalão a traficantes, passando por policiais, apresentadores de programas sensacionalistas (estourados em todo país) entre outros. Somos cúmplices de Nascimento desde o início e compartilhamos instantaneamente suas sensações de revolta e impotência (o que não o impede de ir adiante), ao se deparar frente a uma realidade que quanto mais se cava, mais feio, fedido e fundo fica. A rede aqui é muito maior, e a sensação de que ela é indestrutível é assustadora.
Além do roteiro o avanço de nível de Tropa 2 se da muito em conseqüência de outros fatores cruciais: direção e atores. O Capitão Nascimento aparece mais velho fisicamente, em sua expressão cansada, seus cabelos brancos e o pesar notável em seus ombros, olhar abatido e quase deprimido. Tais evidencias são reflexos do processo de transformação interna que o personagem vivencia, suas lutas, anseios e conceitos vão sendo desconstruídos ao tempo que reconstruídos junto com a trama. Wagner Moura, no melhor personagem da sua carreia, torna-se icônico ao incorporar essas características físicas e psicológicas de maneira natural e extremamente convincente representando um homem que aparenta carregar todas as dores do mundo e ainda precisa confrontar-se com suas crenças e valores para saber como seguir a diante, além de enfrentar conflitos na vida pessoal. Apesar desse aparente desgaste sabemos a todo tempo que aquele Nascimento altivo e potente, de voz segura e algoz, permanece em seu discurso e presença se mantendo forte e até mais agressivo, em sua luta incansável para “foder o sistema”.
Não apenas Wagner Moura, mas todo o elenco é exato em suas atuações e o amadurecimento dos personagens é uma nota fundamental para a composição única do filme. André Mathias (André Ramiro) retorna e agrada, revelando a cada cena traços de Nascimento, seu tutor no primeiro filme, criando situações inesquecíveis de contraponto entre o criador e a criatura; Seu Jorge aparece logo no começo como Beirada e é tão possível que assusta, não apenas pela caracterização, mas pela postura e veracidade dramática; Temos ainda, numa primeira instância, o anti-herói Diogo Fraga, numa apaixonada atuação de Irandhir Santos, que avança em sua trajetória composta de ideais de maneira firme e crescente, garantindo momentos de exaltação e se colocando como responsável por nos fazer sentir confusos: no começo o detestamos, depois o amamos por percebemos que será ele quem poderá ser o condutor da vitória de Nascimento; Um Fábio (Milhen Cortaz) ainda cômico e irritantemente possível, que permite, junto com outros policiais, que os famosos jargões permanecessem na trama, para serem reproduzidos em cada canto do pais; Um Fortunato (André Mattos), perfeitamente construído de acordo com as infinitas referências reais que adentram nossas casas diariamente, sensacionalista e alimentando-se do sangue que jorra nas esquinas, deformando as opiniões, manipulando a verdade de acordo com seus interesses; e por último, mas não menos importante, um Rocha (Sandro Rocha)... revelando o olhar amplo de Padilha que resgata um personagem que aparece como ponta no primeiro Tropa e o incorpora neste novo filme num outro patamar, situando-o como eixo de toda trama, cerne da sujeira, tecedor da teia de corrupção que interliga a polícia, o governo e o povo. Rocha, neste filme, é o personagem que passeia livremente nestes ambientes de maneira a ir costurando a trama de corrupção com fios fortes e intangíveis, ao ponto que transparece uma figura simpática e amistosa. Mais um ponto para a direção.
Sair do mata-mata frio, dos treinamentos sofríveis e outras previas dadas em Tropa 1 e imergir os personagens numa dimensão política/ideológica que compõe o sistema que rege as relações que desenvolvemos diariamente, foi o grande e eficaz salto de Padilha em Tropa 2. Um terror visível, mas que fazemos questão de naturalizar ou tornar invisível ou apenas comum dentro da engrenagem acionada por quem acusamos de corruptos, mas que é movida por nós, ao tão singelo e simples quanto significativo ato de apertar um botão de “confirma” a cada eleição. Por isso, “parceiro”, que intencionalmente Padilha, através de Nascimento, insere cada um de nós na trama desde o começo, pois se o inimigo agora é outro quem deve combatê-lo não é apenas o Bope do Tropa 1 e por isso que a ótica da câmera aponta para quem vê ouve... neste caso nós! O belíssimo passeio panorâmico por Brasília enquanto ouvimos Nascimento promover uma reflexão coletiva e ideológica é o ápice do filme, um dedo incômodo e bem firme apontado na cara de cada um que atravessa os dias vendo telejornais e se fazendo acreditar que os problemas “dos outros” são “dos outros”. Não, “parceiro”, o problema é nosso. E a apatia é o lubrificante que torna essa engrenagem tão macia com ruídos quase imperceptíveis, nos tornando seres capazes, mas imóveis.
Paralelo a esse sentimento vem a alegria de assistir uma produção cinematográfica tão madura e completa. Um casamento feliz entre atores, roteiro, direção e produção e outros elementos técnicos como edição, trilha e sonoplastia. Não há como não exaltar um filme com esta qualidade e cuidado e principalmente, se sentir orgulhoso por ele. Isso porque ele revela que temos condições de fazer um cinema atual, ágil, inteligente e primoroso. Não é exagero algum classificar Tropa de Elite 2 apenas como o melhor filme do ano, mas torná-lo um legado cinematográfico e social extremamente importante. O fechamento do filme, com o abrir dos olhos do filho do Capitão somado a canção “o calibre” dos Paralamas do Sucesso, enquanto sobem os créditos, é o prelúdio perfeito para que saiamos da sala de cinema com sentidos atentos e alertas para as questões estruturais do nosso País. Desejo apenas que este respirar seja constante e não apenas vivo enquanto o calor do disparo incipiente de Padilha alcança nossas mentes fatalmente anestesiadas.
Trailer:
quem tá comandando a blitz?! sou eu!!!!!!
ResponderExcluirtenho inveja boa da forma madura, direta e completa que vc escrever. orgulho de ter vc ao meu lado. te amo!
ResponderExcluiramores da minha vida...de formas diferentes loooogico...rs.
ResponderExcluirvida...sem vc não seria o mesmo...obrigada pela sua ajuda em todos os meus textos. te amo.
E eu nem vi o primeiro ainda...
ResponderExcluirLinda menina!
ResponderExcluirVocê faz comentário melhor do que Isabela Boscov ( Comentarista da VEJA).
Estou contente com a produção cinematográfica brasileira neste momento.
Abraços... Abi
Um belo texto, minha bahia.... continue assim.... espero ler varios e varios textos seus.
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