quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Abraços partidos

congelar o momento é uma forma de não nos perdermos dele

É sempre um prazer revisitar Almodóvar, seus lugares, suas cores, suas divas, seu mundo próprio singular e ao mesmo tempo tão plural. Mesmo quando a película não é um desenho forte do que estamos habituados a ver, ou algo que esperamos, esse reencontro proporciona sensações únicas.
 
Abrazos Rotos nos convida a visitar a vida de um diretor de cinema, Mateo Blanco (Lluís Homar), que vive o caminho físico da ascensão, apogeu e queda trágica de sua história de amor, perde o ser amado (Lena – Penélope Cruz) e sua visão, abrindo-se então forçosamente para uma nova vida, por trás de uma nova identidade. Com o apoio de uma amiga, Judit (Blanca Portillo), e seu filho, Diego (Tamar Novas), Mateo transforma-se em Harry Caine, roteirista de sucesso que cria histórias para seus personagens, ao tempo que desconstrói a sua.

A trama não traz ineditismos, mas sim uma temática inócua, diferente da maioria dos filmes que alimentam a cinegrafia do diretor tão aclamado por conduzir primorosamente histórias bem mais dramáticas, recortes de vidas, submergidas num vendaval de acontecimentos ao extremo. Entretanto, dentro dessa linha, um traço marcante releva e nos faz relembrar o porquê de potencialmente ele estar à altura de outros grandes diretores: sua capacidade de arrancar o melhor dos atores e da própria história fazendo com que haja um derramamento de emoções e a construção de um cenário incomum, mesmo que possível.

Penélope Cruz, como Lena, aos olhos de Almodóvar, encarna mais uma vez a figura da musa, já presente em Volver. Porém, nesse filme, a áurea exausta ao tempo que cálida de Lena, presa a uma rotina que não sustenta seus anseios (que ironicamente atua na vida real, em uma vida de aparência ao lado do marido, e torna sua área de atuação uma vida real, ao lado do seu verdadeiro amor), faz com que, por alguns momentos, haja uma brecha mais interessante, rico campo de performance para Blanca Portillo, através da sutileza e dor oculta de Judit, proporcionando um espaço de atuação mais pleno, seja pelo seu amor materno e incondicional pelo seu único filho, seja pela paixão latente por Mateo, ou em outros momentos a expressão de quem carrega mais do que agüenta, uma vida de segredos. Apesar de a carga dramática estar focada na personagem principal do filme, existe esse balanceamento, salvo por cenas belíssimas, conduzidas meticulosamente desenhadas por Almodóvar.

Um marido traído assiste a cenas da sua esposa gravadas pelo seu filho. Sentado fisicamente numa cadeira, mergulhado imageticamente em sua vergonha, ele está ao lado de uma profissional de leitura labial que traduz simultaneamente a confissão de sua esposa, nas palavras finais, eis que entra a própria esposa pela porta, assumindo a dublagem do seu próprio discurso no vídeo. A fala do adeus, presente e virtualmente, de fora pra dentro. Arrepiante.

Cenas como essa somado a outros aspectos de produção, que situam a identidade do diretor como iluminação, fotografia, trilha e ambientação, Abraços Partidos ainda com sua simplicidade temática em relação aos outros filmes é muito bom…pelo menos pra mim…e vou dizer porque.

Antes de tudo é muito interessante observar que este é o primeiro filme que vejo do diretor em que o personagem principal é do sexo masculino, porém “macho”. Digo isso pois em Má Educação também temos o foco em personagens masculinos, porém gays. Este ponto e observação, pra mim inédito, apresenta o olhar masculino do amor de Almodóvar, em contraponto ao já tão explorado (e incansável) olhar pela ótica feminina. Esse talvez tenha sido um dos maiores desafios, uma vez que exigiu um cuidado e uma maturidade propostas propositalmente de uma ângulo diferente. A histeria, o descontrole e a sobrecarga emotiva presente em seus filmes com a objetiva focada em personagens femininos, dá espaço aqui a serenidade, inquietude interna e razão masculina.

 
Indo um pouco além, a razão dos acontecimentos faz lembrar como estamos suscetíveis ao inesperado mesmo quando realizamos mudanças significativas em nossas vidas. Achamos que estamos nos arriscando ao deixar “a segurança do nosso mundo” por algo novo que se apresenta, mas o risco maior não é essa mudança em si, e sim a mudança que virá caso a primeira escolha dê errado. Não é um gráfico que sobe e se tem a certeza de que ele se estabiliza. No filme isso é mostrado de uma maneira forte, porém fiel. O que fazer da nossa vida quando confiamos em nossas escolhas, porém outra mudança alheia nossa vontade desnorteia tudo a volta? A sua resposta eu não sei, mas a que Mateo dá para essa pergunta é a fuga: “morrer e nascer como outra pessoa”.

Este renascer implica objetivamente em eliminar a dor e sofrimento vigentes na vida “anterior”, anular uma vida que foi cortada por uma tragédia, outra escolha resultando em mudanças. No entanto, é tênue a linha que separa uma da outra, pois há de se conviver siamesamente com memórias, lembranças acesas que não se apagam pela mera decisão individual. Há de se saber que existe a possibilidade latente de uma visita inesperada capaz de desarmonizar o equilíbrio montado diariamente. É isso que acontece quando uma visita do passado, na figura do enteado de Lena, traz à tona as inquietudes e pensamentos de uma vida que havia sido guardada numa gaveta semi-esquecida externamente em um cômodo de sua casa e internamente numa zona quase inacessível do seu coração, chama reacendida a partir do momento em que Harry resolve assumir as memórias de Mateo e com isso fechar de vez uma ferida que mesmo com o tempo, não secou.

Essa redenção vem de um mecanismo simples, porém crucial: a remontagem do filme com as cenas originais é uma metáfora lindíssima dessa história de amor. A primeira montagem do filme, feita pelo marido traído, retrata um filme feio, falho e fracassado, no entanto, ao toque do diretor, protagonista do seu romance, “mesmo às cegas” as cenas escolhidas para montagem do filme tornam-se harmoniosas gerando uma película coesa, leve e vigorosa. Ligando simbolicamente a montagem definitiva do filme à história de amor, a finalização do filme como se deveria serve, por fim, como o encerramento real dessa história pelas mãos e sentidos de um dos seus protagonistas.

Essa cena também reflete uma homenagem de Almodóvar ao Fazer Cinema. Uma crítica, presente também em outros momentos do filme, a esse cinema predominante atualmente puramente mercadológico (em que para se fazer um filme de sucesso, basta acrescentar ingredientes prontos a uma história que pode nascer de um folheto qualquer), na fala do diretor/roteirista Mateo/Harry que diz que o importante é terminar, mesmo que seja às escuras está refletivo o sentimento de amor pela arte e pelo produto final, mesmo que não se venda o suficiente, nem se agrade o esperado, o mais importante é o fazer, é o estar comprometido com o sua arte.

Pra mim a figura mais interessante dessa trama é a fotografia rasgada do casal de amantes que teve sua escolha arrancada, uma história de um abraço que não pôde ser eterno não por opção de ambos, mas pela inveja, ciúme e orgulho de outrem. Talvez, a grande fábula por trás dessa história seja que os abraços verdadeiros sempre serão partidos, como uma velha fotografia recortada, representando metaforicamente a separação agressiva que se viveu e que mesmo que remontada pelas lembranças, jamais será inteira novamente.

7 comentários:

  1. ameeei o nome do blog... kkkk
    to seguindooo!!
    bjks
    e brigadaaa pelas indicações...
    rs
    Drika Oliveira

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  2. aff nao to conseguindo seguir :S
    vou continuar tenatndo..
    bjks

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  3. Show de bola! Está lindo, amiga. É um prazer ler o que você escreve, o conteúdo e o formato são sempre especiais como você. Beijosss!!!

    Naiana

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  4. ADOREI!!! O título é perfeito p ser seu...kkk Bjssssss amadinha ;)

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  5. Ildima... ameeei... vou te seguir sim... baiana.... bjjsssss

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  6. Parabéns! Adorei o jeito que você escreve. É uma maneira casual, com bom gosto, um nível intelectual que chama a atenção. É possível sentir de forma ampla o que você está querendo dizer. Almodóvar é fabuloso, e Penélope é, sem trocadilho, charmosa. Vou segui-la. Abraços.

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