sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Chico Xavier - O filme

"Tem um espírito amigo aqui."


Abnegação [Do lat. tard abnegare
Substantivo feminino
Desinteresse, renúncia, altruísmo, desprendimento, devotamento. 2. Sacrifício voluntário do que há de egoísmo nos desejos e tendências naturais do homem, em proveito de uma pessoa, causa ou idéia.

Você até que podia não saber o que era Abnegação, mas um dos sinônimos acima fez com que sua cabeça clareasse e, além disso, se você viu o filme de Daniel Filho que estreou no dia em que o personagem principal do filme faria cem anos, você também sabe do que estou falando. Isso porque se não existisse essa palavra teríamos que inventar outra a fim de saber, entender e resumir a vida do maior médium do Brasil: Chico Xavier.

De todas as coisas que sempre ouvi durante minha vida sobre este médium uma é comum a todos os outros seres que souberam da sua palavra aqui neste mundo: Caridade. Chico Xavier nasceu, cresceu, se desenvolveu e morreu em nome do amor ao próximo. Sofreu com abusos desde a infância, indo de destrato físico, partindo de sua “madrinhadrasta”, a agressões mentais pelo resto de sua vida. Quase internado em uma clínica para ‘doentes mentais’ teve que escolher um caminho diferente, para que sua história não fosse outra senão a que conhecemos ou passamos a conhecer após o filme de Daniel Filho.


 Para nos contar essa história o diretor utilizou-se da entrevista de Chico ao Pinga Fogo, programa televisivo da década de 70 exibido na TV Tupi, que tinha duração média de 60 minutos e na participação do médium durou 3h. À medida que as perguntas vão sendo feitas pelo corpo de jornalistas, padres e outros profissionais presentes no programa, somos convidados a passear pelas memórias de Chico, ao ponto em que elas são projetadas cuidadosamente da sua infância até o tempo da entrevista, indo além, com o desdobrar dos acontecimentos pós entrevista, desfiando de momentos em momentos para que ao final pudéssemos ter ao menos uma medida rasa porém esclarecedora do que foi a historia deste Homem.

Sim. Do Homem e não da sua crença. Não levantar bandeiras ou instigar discussões religiosas foi uma escolha extremamente feliz desta direção, uma vez que por si só a história do seu personagem-tema já é fascinante, não sendo necessário utilizar-se de paradigmas polêmicos cinematográficos tão presentes em outros momentos da história do cinema. O cenário é sim pautado em cima da evolução do personagem, na sua busca pelas respostas das perguntas que o atormentavam desde menino o que acarretou a descoberta e revelação do seu dom imerso na doutrina espírita, entretanto, este mesmo cenário é posicionado de maneira clara e direta, sem a intenção ou o tom de quem pretende atrair seguidores. 


 Paralelamente a essa via, abre-se a história do drama de um casal que após perder seu único filho, supostamente assassinado pelo amigo, filho da Iara (Cássia Kiss), distanciam-se cotidianamente por caminhos isolados. Enquanto o pai (Tony Ramos) camufla sua dor e afoga-se em seu trabalho, postando sua energia em suas atividades, a mãe (Cristiane Torloni) amargura-se em sua dor, alimenta-se de lembranças, arruinando-se em desconsolo. Para ela, uma carta recebida em uma das sessões de psicografia de Chico Xavier é o alento para seus novos dias, para ele, uma farsa. Dentro da dinâmica do filme a intersecção das duas histórias se dá no dia da apresentação de Chico no Pinga Fogo, uma vez que por trás das câmera, dirigindo o  programa está o Pai  e na platéia a Mãe, que incansavelmente aguarda outra mensagem do filho.

Vale um parênteses para elogiar a primorosa atuação deste trio que, meio a uma já vistosa encarnação (sem trocadilhos) dos atores que representam primorosamente as três fases da vida de Chico: Matheus Costa (infância) , Ângelo Antônio (juventude) e Nelson Xavier (adulto/ velhice), poderia ter passado despercebido. Um ledo engano visto a sensibilidade e doação desses atores que se recolheram cada um na sua dor e formaram uma tríplice tocante, sem necessariamente ser piegas. A dor de cada indivíduo, sob o manto de sua visão particular da mesma história, nos leva a refletir sobre a perda, aceitação e perdão.


Para além de todas as coisas ditas, fica um imenso sentimento de bondade e dedicação. Como se fôssemos sugados inconscientemente para um plano onde desejamos fazer o bem, não um bem grandioso e utópico, mas um bem cotidiano e possível...seja através de uma reflexão antes de tomar uma atitude efervescente, nascida de uma raiva, seja pela troca de um rosto fechado por um simples e entusiasmante sorriso, seja pela leitura de como queremos conduzir nossas vidas. A grandiosidade da vida e pós vida de Chico Xavier está justamente neste poder invisível, porém sensível, que nos toca e nos mantém conectados para o exercício do bem.

Outro grande triunfo sobre a forma de como essa história é contada é quanto a humanização de Chico. De fala mansa e segura, tido para muitos como santo, passagens como a do caso do avião (momento de descontração geral no cinema) nos faz sentir próximos a este homem, através de sentimentos comuns e carnais com nossos medos, angústias, dúvidas e principalmente fé. Faz-nos principalmente pensar que não é necessário ser sobre-humano para ter uma vida de respeito e amor ao próximo e perceber que muitas vezes, esses ingredientes simples são os únicos capazes de fazer qualquer receita de vida dar certo.

Um comentário:

  1. Id,

    Quanta sensibilidade.

    Adorei sua percepção sobre o filme e pela figura inesquecível que foi/é Chico.

    Parabéns garota!

    Voltarei.
    (Ei, quando aparece em Salvador?)
    bjs

    Mari

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