quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O Curioso Caso de Benjamim Button

"é o bebê da mamãe"

De repente, luzes...sons...do nada viemos e recebemos de presente a dádiva mais celebrada: a vida. Da forma que nos habituamos a entendê-la, nascemos, crescemos, nos desenvolvemos, procriamos, envelhecemos e morremos. Neste decurso, bilhões de conexões se estabelecem, células se multiplicam a medida que deixam de existir e o desaceleramento deste processo garante a falência daquilo que nascemos aos montes. Seca a pele, padecem os órgãos, perdemos a vitalidade da memória; sem escolha, partimos deixando apenas, por um tempo, a carne e lembranças.

Mas, se ao nascermos, nossa vida fosse posta ao avesso? Se a cada amanhecer nos fortalecêssemos e rejuvenescêssemos? Não é necessário pensar muito. Para ter idéia desse simulacro basta acompanhar por 165 minutos O Curioso Caso de Benjamin Button.

Nascido sob o invólucro da velhice, Benjamin Button (Brad Pitt) é apresentado a vida da maneira mais cruel a um primeiro e todos os olhares que se seguem. Como uma aberração é quase jogado a um rio pelo pai que se recusa a criá-lo mesmo após uma promessa feita a esposa morta depois do parto. Por fim, encontra seu destino abandonado a uma escada de um asilo. Começa ai a jornada que atravessará décadas de um homem que caminha na direção contrária de todos aqueles que farão parte de sua vida, que o amarão e serão amados por ele. Benjamin Button é uma correnteza avessa que atravessa significativamente aqueles que nadam em suas águas.

O âmago da história são os encontros e desencontros até que o tempo torne possível a realização física do sentimento de um amor surgido na infância entre Benjamin, na situação preso a condição de apresentar-se fisicamente como um homem de 80 anos, apesar de mentalmente estar na infância e continuar desenvolver-se como um ser humano normal, e Daisy, neta de uma das senhoras do asilo, com 6 anos de idade.

David Fincher, aclamado pela direção de filmes centrados na violência crítica como Seven e Clube da Luta, não deixa de dar seu recado por trás do romantismo e drama que são derramados em O Curioso Caso de Benjamin Button. Se em Seven os setes pecados capitais são propostos como crimes diários comuns que todos nós comentemos sem pudor, e em Clube da Luta a sociedade de consumo, ao mesmo tempo fruto e alimento da famigerada Indústria Cultural é colocada contra a parede e mais uma vez o protagonista subliminarmente é o espectador, em O Curioso Caso de Benjamin Button somos confrontados com questões existenciais que envolverem aceitação, sabedoria individual e solidão.

Benjamin Button nasceu predestinado a ser só, pois sua vida, acima de todas as outras, jamais poderia ser conduzida ao lado de alguém por inteiro. Nem por isso, em nenhum momento do filme, é evocado um tom de revolta ou questionamento. Como foi dito, o que se assiste é uma gratificação por estar vivo, por cada dia ter sua importância, mesmo sem saber até quando, como nota-se através da fala de sua mãe de criação Queenie (Taraji P. Henson) “Agradeça por estar vivo” e logo depois evidenciado por seu pai “No final só resta aceitar, mesmo que no começo sentirmos revolta e indignação, no final aceitamos” e é o que Benjamin Button faz, não como resignação, mas para alcançar a sabedoria de transformar a sua vida e torná-la maravilhosa com as armas que possui.

                               
Não é tarefa difícil perceber as semelhanças de roteiro entre O Curioso Caso de Benjamin Button e Forrest Gump – O Contador de Histórias. De imediato o mesmo roteirista Eric Roth dá pistas da similitude. A biografia de um personagem de história forte, que afeta diretamente a vida dos que o rodeiam. Forrest Gump nasce com problemas para andar, além disso, uma capacidade mental abaixo do esperado e isso de alguma forma o exclui do convívio normal com crianças de sua idade, sendo Benjamin Button uma criança presa a um corpo de idoso e limitado a executar ações condizentes com a sua aparência, construindo sua infância meio a pessoas mais velhas, habituando-se estranhamente a perda quase diária de alguém querido. Ambos apaixonam-se na infância e este amor é o único verdadeiro em suas vidas com escassas possibilidades de se concretizarem a sua vontade, cabendo ao tempo encarregar-se de proporcionar encontros esporádicos até que um corte favorece a realização efêmera do Amor e o convívio com a pessoa amada, para os dois esta é a fase mais feliz em suas vidas. Ambas são mulheres independentes e livres. A presença da figura materna coincide pela força e avidez, que defende sua cria ao tempo que lhe ensina o caminho das pedras. Outro ponto em comum é que ambos os personagens criam laços fortes com pessoas do mar e estes servem como pontes para um mundo novo. No entanto, a sacada genial de Eric Roth e que vai distinguir de maneira sutil as duas histórias são os enlaces com os fatos históricos.

A escolha de em O Curioso Caso de Benjamin Button não se envolver de maneira a interseccionar-se com os fatos históricos é o brilhante diferencial na medida em que em Forrest Gump esta inserção é a tônica vital para a criação da história. A forma como Forrest é “acidentalmente” integrado aos acontecimentos históricos são agentes moldadores do próprio personagem que levam muitas vezes Forrest ser que ele é, o conduzindo a uma maravilhosa e encantadora jornada de construção. Em Benjamin esse distanciamento é uma escolha feliz uma vez que o molde para o personagem título é a sua própria história, seu próprio acontecimento. Qualquer envolvimento direto causaria uma vertente desnecessária a condução do filme, trazendo elementos irrelevantes para a saga do personagem.

Para além de relação com trabalhos anteriores, O Curioso Caso de Benjamin Button se tornará um clássico por contar não apenas da sua excepcional história, baseada no conto de F. Scott Fitzgerald (que, vale ressaltar, possui traços distintos da sua adaptação para as telas. No conto, Benjamin Button nasce não um bebê com aspecto de idoso e sim um adulto idoso, o que cronologicamente é mais coerente a julgar pela reversibilidade). O cuidado quanto a fotografia, ambientação de todas as épocas vividas e cenários (destaque para o hotel onde Benjamin realiza seu romance com Tilda Swinton), figurino e a magnífica maquiagem dos atores. Tanto para envelhecê-los quanto rejuvenescê-los, complementada pela leveza dos efeitos que sutilmente tornam possível essa viagem mágica. A diferença entre os tons durante o filme revela discretamente o sentimento dos personagens principais. A dureza da infância vem destacada pela predominância do marrom e tons escuros, quase borrados, depois com a realização do Amor, o vermelho transpõe o calor e vivacidade, e a todo tempo o contraponto da frieza azul do hospital onde a história é contada.

O elenco parece flutuar devidamente no filme, graças a bela e delicada atuação de Cate Blanchett como Daisy, que atravesa o tempo inversamente a Benjamin, Tilda Swinton, que revela uma firmeza prazeirosa, como a desafiadora Elizabeth e a para mim ainda não conhecida Taraji P. Henson, que destacou-se com brilho especial como a mãe adotiva de Button, Queenie. Já a Julia Ormond (Caroline), acredito que outra atriz poderia fazê-lo por não ter presenciado nenhum ponto de destaque dramatico, mesmo quando foi solicitado. Brad Pitt consegue encontrar a nota certa para ser o condutor da trama, sem arroubos desnecessários, seguro e linear. Ingredientes perfeitos para um personagem que por si só já é um chamativo e tenta ao máximo permanecer na sala da normalidade. O que fatalmente cairia numa caricatura bizarra, encontra a medida exata através da discrição de ser apenas o que é. Impressionou-me o olhar como espelho da alma em inúmeras passagens do filme: O olhar curioso na infância sobre um mundo que se abre diferente externamente, mas da mesma maneira comum a todos internamente, o olhar da revelação ao primeiro e único amor, ao descobrir e redescobrir ao longo de sua vida sua Daisy, o olhar de renovação e mistério ao envolver-se com uma mulher casada, um romance atemporal em um hotel que parece ser ambientado em local algum, e por fim o olhar de maturidade, mesmo já com aparência de um jovem... o contraponto corpo-mente se apresenta de forma verdadeiramente plausível.

A frase que inspirou o conto de F. Scott Fitzgerald “A vida seria infinitamente mais feliz se pudéssemos nascer aos 80 e gradualmente chegar aos 18” de Mark Twain, resume magnificamente este filme, porém a realização do mesmo nos permite avaliar que caso acontecesse a tão imaginada associação da maturidade ao melhor estado físico seria impossível fugir das doçuras e amarguras da vida, pois no final não importa nem quando nem como, viver continua sendo um espetáculo único, onde nunca sabemos o que nos espera.

2 comentários:

  1. Esse, com certeza, foi um dos melhores filmes de minha vida. No entanto, acredito piamente que a função do envelhecimento não é para sofrermos, mas serve, unicamente, para nos desapegarmos do invólucro temporário que é o nosso corpo e de tudo o mais que materialmente tanto nos apegamos.

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  2. Concordo amiga...apenas casca...efêmero.
    bjs
    feliz por vc ter vindo aqui. =)

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