domingo, 5 de setembro de 2010

Revolutionary Road - Foi Apenas um Sonho

Prisões da alma
É triste pensar que só com o tempo percebemos que somos nós os responsáveis por criarmos nossos próprios castelos de areia, nos aprisionarmos neles e tão logo findarmos levados por uma maré inevitável e imbatível: o tempo.

Revolutionary Road é fatal ao atirar aos olhos do espectador suas fraquezas e falsos ideais. Os verdadeiros sonhos são aqueles criados quando nada temos. No entanto para onde eles vão após nos lançarmos homeopaticamente em um cotidiano enfadonho, milimetricamente igual mesmo nas surpresas e diferenças que nos arrastam tal qual areias movediças da rotina e prazeres coletivos?

Ter uma casa num bairro adequado, ter uma carreira, ter dinheiro, ter uma família, ter amigos perfeitos, ter uma vida emoldurada e estável. Qual o preço dessa escolha de sonho americano? Kate Winslet e Leonardo DiCaprio retornam juntos, após onze anos, agora sob os olhares e sentidos de Sam Mendes, figurando um casal aparentemente perfeito dos anos 50 (porém, essencialmente atemporais), que ao conquistarem tudo que desejaram deixam de ser quem eram: o frescor da juventude percebido não apenas fisicamente, mas também pelos ideais e sonhos, além da forte unicidade e sentimento de “ser especial e único”, típicos desta fase comum a todos nós, canção que bem entoada no início da história, vai ao longo de trama, desafinando, tornando-se uma ópera triste composta de atos longos e indesejados.


O espaço vazio desolador, a vida plástica e cronometrada intocavelmente é chamada a respirar quando o casal Wheeler, Frank (Leonardo DiCaprio) e April (Kate Winslet), decide deixar tudo e ir morar em Paris, começar de novo e se redescobrirem. No entanto, os laços invisíveis já demarcados, (assim como com Ana, em Laços de família de Clarice Lispector, impossível não associar, rs) que se emaranha em nossos corpos e os liga as nossas construções materiais e prisões cotidianas, se mostram presentes e incapazes de serem rompidos. Fatalmente o tempo se encarrega de reforçar o poder que a zona de conforto, o lugar comum e práticas estabilidades têm em nossas vidas.

O grande poder de Revolutionary Road é sua fatídica ironia. O desejo inspirador de desconstruir e reinventar se mostra ineficaz nesta tragédia urbana cotidiana de Sam Mendes. Se em Beleza Americana existe uma crítica direta e severa ao “america way of life”, um modo de vida dupla face, externamente brilhante e vistoso e internamente decadente e solitário, em Revolutionary Road essa crítica  acontece de forma subjetiva principalmente em relação a construção e manutenção das falsas virtudes. O retrato da sociedade americana se dá de maneira sutil, avançando o zoom ao máximo e extraindo cada angústia e frustração de um casal que por acreditar ser singular, torna-se automaticamente plural. Este micro olhar revela as imperfeições num patamar infra-estrutural, com uma linguagem indireta, expressa por vezes pelo olhar vago de April, expressando seu estado interior, seja pelas cores da película e das vestes dos personagens, predominantemente pálidas a apáticas, ou ainda pela trilha, repetitiva e marcada, tal qual a rotina enfadonha, tic-tac diário previsível. Um casal ajustado a vida social, e completamente desajustado internamente.

Com saltos grandiosos de interpretação, com Leo (em um de seus melhores papéis dramáticos) como um jovem ambicioso que foi engolido por uma rotina adulta, tornando-se um marido perdido em suas próprias incertezas e Kate (ah...insisto em dizer que ela é fabulosa) como a desencantada dona de casa que ansiava ser atriz e acabou tornando-se figurante de sua própria vida  (impossível esquecer a cena belíssima do bar, onde April converte todo seu desespero em sentir-se viva em uma dança simples, porém pura, como os seus primeiros sonhos). A grande surpresa fica a cargo do Michael Shannon (até então inédito para mim) como o vizinho John Givings, tido como louco, no entanto, ao contrario de todos os outros, o único capaz de enxergar o casal Wheeler como eles realmente são: mergulhados em seus medos e desesperanças. 


Gosto de pensar neste contraponto de sanidade e loucura, observando que nesta encontra-se a razão perdida dos sãos, afinal quando April e Frank anunciam que irão largar tudo e partir para Paris, são tidos como loucos por seus vizinhos, aqueles que espelham os modelos a serem seguidos ao tempo em que se constituem como espectadores e vigias do cumprimento destes acordos tácitos. No entanto, neste momento, a “loucura” apresenta-se como a única cura para os males que a vida “sã” despertou. No entanto, apesar de possível, para quem se engessou querer e fazer deixam de ser linha contínua e tornam-se linhas paralelas.

No filme os sentimentos são expressos como conseqüência das armadilhas de um casamento e das responsabilidades de uma vida adulta, no entanto é algo naturalmente possível, mesmo que triste, repito, a qualquer um, tornar-se justamente o que nunca quis ser. Para enraizar-se em um jardim infrutífero basta podar mesmo que imperceptivelmente todos os dias uma nova chance, e sem querer o fazemos, pequenas procrastinações que futuramente deixarão nossas árvores dos sonhos sem os galhos que representam as diferentes direções que podemos tomar na vida, oportunidades que se anuladas não retornarão. Afinal são apenas dois caminhos e para os que não se movem fica o legado medonho de deixar os sonhos de lado e viver um macabro conto de fadas da vida real.

Trailer legendado:

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